segunda-feira, maio 28, 2018


SOBRAL E A TEORIA DA RELATIVIDADE - O ECLIPSE DE 1919

Equipes brasileira e britânica na calçada da igreja do Patrocínio (Sobral), entre outras pessoas. Henrique Morize é o quarto, em pé, da esquerda para a direita. Os astrônomos ingleses estão sentados: Crommelin é o quarto da esquerda para a direita; Davidson é o quinto. FOTO: Museu do Eclipse

Um fenômeno que ocorreu em Sobral em 29 de maio de 1919 comprovou a Teoria da Relatividade Geral, do físico alemão Albert Einstein. O local de observação do eclipse que proporcionou a comprovação foi a Praça do Patrocínio, localizada no centro do município. Instrumentos astronômicos de primeira qualidade para a época, foram montados no local para a observação do acontecimento.
Mas do que se trata a Teoria proposta por Einstein no ano de 1915? O professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Wendel Mendes explica de forma simples: "A Teoria previa que a matéria (planetas, estrelas, etc) são responsáveis por mudar a geometria espaço-temporal do mundo que nos cerca. Isso pode ser entendido com um experimento simples que consiste em esticar uma lona flexível e colocar sobre o centro dela uma massa, como uma esfera de ferro ou chumbo, por exemplo. Quando um raio luminoso passa próximo de um planeta, a luz deixa de se propagar em linha reta e sofre desvios de sua trajetória original".
A astrofísica Patrícia Spinelli, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), localizado no Rio de Janeiro, por sua vez, explica o eclipse que aconteceu em solo sobralense. "Antes da preposição da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, o entendimento sobre a força gravitacional advinha da teoria proposta por Isaac Newton, em que a força gravitacional age entre todos os corpos por causa de suas massas. A Teoria da Relatividade Geral abriu uma nova perspectiva para a interpretação da gravitação", comenta.
"Passou-se a entender que um objeto possuidor de muita massa (como por exemplo, uma estrela) deforma o espaço-tempo ao seu redor. Como consequência disso, outros corpos que passem perto de sua vizinhança 'sentem' essa perturbação em sua direção e tempo de viagem. É relevante salientar que, nesta preposição, esses outros corpos não precisam ter massa para serem perturbados pela gravidade do objeto massivo. Ou seja, qualquer corpo ou partícula, inclusive àqueles sem massa, são afetados pela gravidade desse objeto. Este seria o caso dos fótons, que são as partículas de luz, e que não possuem massa. A primeira vez em que se observou esse fenômeno foi durante o eclipse de 1919: o sol (objeto possuidor de muita massa) ficou à frente de estrelas que estavam ao fundo, bem distante de nós. As partículas de luz dessas estrelas sentiram a deformação do espaço-tempo ao passarem perto do sol. Essa deflexão da luz das estrelas de fundo pela gravidade do sol foi possível registrar por meio de fotografias. O registro foi possível, pois o experimento foi feito no momento em que a lua passava na frente do sol (situação de eclipse do sol), e durante os poucos segundos que ficou tudo escuro, mediu-se esse desvio da luz das estrelas, que não podem ser vistas durante o dia", completa.
De acordo com o artigo do astrônomo Augusto Damineli, no site da revista Pesquisa FAPESP, desde que Einstein publicou suas primeiras ideias sobre uma nova teoria da gravitação, em 1907, alguns cientistas, além dele mesmo, vislumbraram a possibilidade de testá-la em um eclipse solar. Existiram tentativas que não deram certo, a exemplo do eclipse de 1912 em Passa Quatro, em Minas Gerais.
Uma missão inglesa composta de dois grupos foi enviada para dois locais para acompanhar o eclipse de 1919. Um grupo veio para Sobral, sob o comando de Charles Davidson e Andrew Crommelin, e outro foi para a Ilha do Príncipe, no Golfo da Guiné, comandando por Sir Arthur Eddington.

Marcony Cunha, também professor da UECE, explica que a escolha por dois lugares se deu porque "os ingleses são metódicos". No entanto, Sobral acaba perdendo o crédito e muitas pessoas relacionam o feito à Ilha do Príncipe. "Sobre os autores internacionais comentarem pouco sobre Sobral, é difícil dizer qual o real motivo e especulações a respeito não faltam. Uma, por exemplo, é que o pesquisador chefe das duas expedições, Sir Eddington, foi para a Ilha do Príncipe e, portanto, houve maior destaque para a pequena ilha africana. Mas o escritor americano David Bodanis muda um pouco essa mística falando de Sobral em seu livro, intitulado "E=mc²", afirmando categoricamente que as imagens obtidas pela equipe de Sir Eddington não serviram. Então, segundo Bodanis, a Teoria de Einstein foi confirmada pelos céus de Sobral", completa ainda ele, que tem doutorado e mestrado em física.

Quem alertou sobre o eclipse?
De acordo com a dissertação "Entre Telescópios e potes de barro: o eclipse solar e as expedições científicas em 1919/Sobral-CE", de Joyce Rodrigues, em 1917, foi o astrônomo Dyson que alertou a "Royal Astronomical Society" para as condições mais propícias para a realização do experimento que marcaria o ano de 1919, com um eclipse solar com duração superior a quatro minutos para observação. Ele previu que haveria um número suficiente de estrelas (parte das Híades) na proximidade da borda solar, o que tornaria eficaz a experiência de fotografar a ação dos corpos sob a luz. Segundo seu prognóstico, era uma oportunidade que deveria ser levada em consideração, pois seria difícil haver outra no século XX. Argumentação aceita pela comunidade científica britânica restava tomar certas providências: o lugar e as condições de acesso, as expedições, os financiamentos, transportes dos instrumentos e a seleção dos membros das expedições.
Equipe Brasileira: Luiz Rodrigues (1°), Theophilo Lee (2°), Henrique Morize (4°), Allyrio de Mattos (7°), Domingos Costa (9°), Lélio Gama (10°), Antônio C. Lima (11º) e Primo Flores (12º). Equipe Inglesa: Charles Davidson (5°) e Andrew Crommelin (6°). Equipe Americana: Daniel Wise (3°) e Andrew Thomson (8°). FOTO: daed.on.br/sobral

Além da expedição inglesa, dois outros grupos também desembarcaram em Sobral naquele ano. Um era americano e procurava entender os efeitos do eclipse solar sobre o magnetismo terrestre. Os estudos foram efetivados pelos pesquisadores Daniel M. Wise e Andrew Thomson, ambos do Departamento de Magnetismo Terrestre da "Carnegie Institution for Science", de Washington (EUA). Conhecidos mundialmente no campo das ciências, eles já haviam participado de outras expedições para observação de eclipses solares e trabalharam como ajudantes de Thomas A. Edison, durante o curso da Primeira Guerra Mundial.
A outra expedição era brasileira e tinha o astrônomo Henrique Carlos Morize como líder. Na sua trajetória profissional, ele foi diretor do Observatório do Rio de Janeiro, esteve à frente da criação da Sociedade Brasileira de Ciências e desenvolveu trabalhos para melhorar a comunicação telegráfica do Brasil.

Ao saber da possibilidade de observação do eclipse de 1919 por meio da divulgação em periódicos das reuniões da comunidade científica, Morize enviou um relatório para vários observatórios internacionais indicando Sobral como o lugar apropriado para os testes necessários para a comprovação da teoria de Einstein. Ele também se prontificou a prestar apoio às equipes que quisessem fazer parte da observação do fenômeno, ainda segundo a dissertação de Joyce, por isso ele também veio para o Ceará.



A cidade mostrou-se receptiva na chegada dos observadores. As casas em que ficariam instalados eram da família Saboya, proprietária da fábrica de algodão em Sobral, as únicas com capacidade para acomodar os viajantes e os instrumentos. As duas residências foram cedidas pelo Coronel Vicente Saboya e José Saboya de Albuquerque.
Também de acordo com a dissertação "Entre Telescópios e potes de barro: o eclipse solar e as expedições científicas em 1919/Sobral-CE", os observadores amanheceram no dia 29 de maio daquele ano ansiosos, pois o dia surgiu com ameaça de chuva. No entanto, com o reaparecimento do sol e a calibragem dos instrumentos, as séries de fotografias da coroa solar foram executadas.
Vale destacar que os resultados das expedições em solo sobralense só foram apresentados publicamente em novembro de 1919, durante uma reunião da "Royal Astronomical Society", em Londres.

Segundo a astrofísica Patrícia Spinelli, não existem regiões fixas para observação de eclipses. "Quando há eclipses de sol, a lua oculta nossa estrela. Se observássemos a Terra durante um eclipse solar do espaço, veríamos que a lua na frente do sol provoca uma sombra na Terra. A totalidade do eclipse só é vista nessa região de sombra do Sol. Como tudo no espaço sideral se move, a Terra, a lua e o sol, essa sombra nem sempre é projetada no mesmo ponto do globo terrestre. Em maio de 1919 foi projetada em vários pontos próximo ao Equador, um deles foi a cidade de Sobral no Ceará, mas também na Roça Sundy, na Ilha do Príncipe, onde houve o segundo.
De acordo com o professor Marcony, mesmo assim, os melhores lugares para observações astronômicas estão na Antártida e nos desertos, do Atacama, no Chile, principalmente.

Museu do Eclipse
Em Sobral, o Museu do Eclipse foi fundado em 1999, com o objetivo de celebrar os 80 anos do fenômeno que ajudou a comprovar a Teoria de Einstein. Idealizado pela Prefeitura de Sobral, no espaço, que está fechado para reforma e só retorna em maio do ano que vem, estão em exposição a luneta e as fotos originais utilizadas para comprovar a Teoria de Einstein, além das fotos que registraram a presença da expedição científica em Sobral. Também pode-se conferir fotos de galáxias e planetas, o primeiro mapa lunar do Brasil e o jornal "The New York Times que noticiou a comprovação da Teoria da Relatividade".

A Prefeitura de Sobral também organiza a comemoração do aniversário de 100 anos do fenômeno. A articulação das comemorações vem sendo feita pelo prefeito Ivo Gomes que, em busca de parcerias, se reuniu com o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, a direção do Instituto de Arquitetos do Brasil no Ceará (IAB-CE) e o secretariado municipal.
A ideia é mobilizar a região com palestras, exposições, congressos, simpósios, além da construção de um monumento em alusão à comprovação da teoria. Segundo o presidente da SBPC, o centenário é um dos eventos mais importantes na agenda da Sociedade, neste ano. "Sobral é citada, no mundo todo, em todas as publicações científicas, por conta desse fato. Cientistas do mundo inteiro deverão vir a Sobral para as comemorações", destaca Ildeu Moreira.
FONTE: DN