sexta-feira, maio 06, 2022

AVANÇA NO BRASIL A POPULAÇÃO QUE SE DECLARA SEM RELIGIÃO

Pai da sociologia moderna, o francês Émile Dur­kheim (1858-1917) dedicou boa parte de seus estudos a analisar as religiões, às quais atribui haver concebido “tudo o que há de essencial na sociedade”. Ao estabelecer a distinção entre sagrado e profano e definir rituais, costumes e objetos relacionados ao divino, diz Durkheim, elas criaram os códigos que regeram os acordos da vida em coletividade, forjaram comportamentos e solidificaram a própria noção de certo e errado. “Religião não é somente um sistema de ideias. Antes de tudo, é um sistema de forças”, concluiu.  Assim a humanidade caminhou durante séculos, enlaçada aos dogmas de uma ou outra igreja, até poderes mais altos se levantarem e esgarçarem nós que pareciam indestrutíveis. 

Neste multifacetado século XXI, regido pela tecnologia e pelo consumo, saturado pelo desencanto com ideias estabelecidas e tomado pelas escolhas individuais, cada vez mais pessoas se dispõem a declarar que, ao contrário de seus país, avós e bisavós, não seguem religião alguma. É um fenômeno silencioso, ainda pouco evidente no cotidiano e mais comum entre os jovens — de repercussão nas próximas gerações, portanto —, mas não faltam pesquisas para comprová-lo. 

Duvidar e se afastar — em suma, tornar-se um “desigrejado” — são atitudes que proliferam também entre os brasileiros. Segundo o IBGE, o contingente que se define como sem religião pulou de 0,8% em 1970 para 8% — dez vezes mais — em 2010, o último dado disponível. E o grupo segue se expandindo: em pesquisa do Datafolha publicada em 2020, a parcela havia avançado para os 10%. 

Temas que fazem parte da vida dos jovens e são muito mais aceitos por eles, como questões de gênero, sexualidade, aborto, feminismo e raça, estão justamente entre os que se chocam com as doutrinas religiosas — e, no embate, a crença sai perdendo. As novas gerações são as mais inclusivas da história. Faz parte do seu DNA questionar princípios arcaicos e lutar por seus direitos. 

Não ter religião definida, como mostram as pesquisas, não significa abandonar a fé e a espiritualidade, fato confirmado pela quantidade bem menor de ateus (embora também eles estejam se multiplicando). “O processo de pluralização religiosa tem sido muito mais intenso do que o de secularização da sociedade. Isso fez com que o católico que se dizia não praticante se sentisse mais à vontade para admitir que não tem religião”, ressalta Ronaldo Almeida, professor de antropologia da Unicamp. 

O catolicismo conviveu com outras crenças no Brasil sem perder a majestade até um século atrás, quando chegaram os primeiros imigrantes protestantes e, com eles, o ímpeto da evangelização e da conversão. Nos anos 1970, a proliferação das igrejas neopentecostais começou a causar um impacto tão forte no rebanho católico que, segundo as previsões, em dez anos os evangélicos serão maioria no país.  inesperada expansão dos sem religião, no entanto, é sentida em ambas as arenas religiosas: enquanto a soma de católicos e evangélicos perdeu 10 pontos porcentuais entre 1970 e 2010, a dos “desigrejados" subiu mais de 7%. 

Para a juventude deste século, crer sem ver é questão de foro íntimo, que dispensa culto, missa, padre e pastor. 

(fonte: Revista Veja em 05/05/2022 com adaptação de texto do professor Kléber Teixeira).

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